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O Novo Código Florestal e a Constituição Federal

Código Florestal. Constituição Federal. Inconstitucional. 

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Advogado Ambiental
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Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

A Lei 12.651/12 manteve no ordenamento jurídico nacional as reservas florestais legais, espaços territoriais especialmente protegidos definidos como “áreas localizadas no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.

Os percentuais destinados à reserva legal variam conforme a localização do imóvel, correspondendo, na Amazônia Legal a 80%, no imóvel localizado em área de floresta, 35% no situado em área de cerrado e 20% no situado em área de campos gerais. Em todas as demais regiões do país, o percentual destinado à reserva florestal legal deve corresponder a 20% do imóvel.

A legislação brasileira já preceituava, desde a publicação do Código Florestal de 1934, que “nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas partes da vegetação existente, salvo o disposto nos artigos 24, 31 e 52”.

O Código Florestal de 1965 regulamentou a reserva legal inicialmente em seu art. 44, segundo o qual: “na região Norte e na parte Norte da região Centro-Oeste enquanto não for estabelecido o decreto de que trata o artigo 15, a exploração só é permissível desde que permaneça com cobertura arbórea, pelo menos 50% da propriedade”.

A estrutura normativa do Código Florestal influenciou fortemente a Constituição Federal de 1988.

Além de fazer constar do próprio conceito de função social da propriedade a proteção do meio ambiente, o estabelecimento de espaços territoriais especialmente protegidos foi erigido à categoria de dever fundamental do poder público para garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A Constituição também atribuiu à coletividade o dever de defender o meio ambiente, estatuindo, ainda, na observância desse dever, a solidariedade entre as presentes e futuras gerações.

Em tal contexto, é inegável que a Constituição Federal recepcionou a instituição das áreas de reserva legal como forma de garantir a execução dos objetivos constitucionais de proteção do meio ambiente.

De fato, os próprios conceitos de reserva legal e de área de preservação permanente, deixam evidente o papel de tais instrumentos de proteção ambiental na efetivação dos desígnios constitucionais contidos no art. 225 da Carta da República.

A constitucionalização dos espaços territoriais especialmente protegidos trouxe consequências vinculantes ao sistema jurídico como um todo, inclusive com restrições explicitamente dirigidas ao legislador.

De início, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos é prevista no texto constitucional como um dos deveres do poder público para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, articulando-se tal dever aos demais deveres fundamentais atribuídos ao Estado Brasileiro no art. 225, § 1º , verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

    1. preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
    2. preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
    3. definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
    4. exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
    5. controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
    6. promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
    7. proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Conforme conclusão compartilhada pela unanimidade da doutrina constitucional, a Constituição Federal de 1988 consagrou um “dever constitucional geral de não degradação”.

Segundo explica o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Herman Benjamin,

“Trata-se de dever constitucional autossuficiente e com força vinculante plena, dispensando, na sua aplicação genérica, a atuação do legislador ordinário. É, por outro lado, dever inafastável, tanto pela vontade dos sujeitos privados envolvidos, como a pretexto de exercício da discricionariedade administrativa.

Vale dizer: é dever que, na estrutura do edifício jurídico, não se insere na esfera de livre opção dos indivíduos, públicos ou não.”

(BENJAMIN, Antônio Herman V. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, p. 90. In: CANOTILHO, J.J Gomes e LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.)

Quanto ao poder público, além do dever geral de não degradação ambiental, foram estabelecidos também deveres fundamentais específicos, explicitamente mencionados no § 1º do art. 225.

Da análise dos deveres fundamentais atribuídos ao Estado para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode ser inferida a existência de um verdadeiro regime jurídico-constitucional dos espaços territoriais especialmente protegidos, contendo mandamentos explícitos e vinculantes ao poder público em todas as suas esferas.

Nesse sentido, tem-se que a criação de espaços territoriais especialmente protegidos decorre do dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, de forma que essa deve ser uma das finalidades da instituição desses espaços.

Segundo explica Heline Silvini Ferreira:

“Quando se referiu a processos ecológicos essenciais, quis o constituinte garantir a proteção dos processos vitais que tornam possíveis as inter-relações entre os seres vivos e o meio ambiente. (…).

Nessa perspectiva, portanto, é dever do Poder Público preservar e restaurar as condições indispensáveis à existência, à sobrevivência digna e ao desenvolvimento dos seres vivos.”

( FERREIRA, Heline Sivini. Política Ambiental Constitucional, p. 256. In: CANOTILHO, J.J Gomes e LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.)

A criação dos espaços territoriais especialmente protegidos articula-se, por fim, com os deveres fundamentais de preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do País, bem como da proteção da fauna e da flora.

O texto constitucional prevê ainda, vedações explícitas no que se refere aos espaços territoriais especialmente protegidos.

De início, no próprio dispositivo normativo que prevê o dever fundamental de instituir tais espaços, a Constituição preceitua que sua alteração e supressão somente serão permitidas através de lei (art. 225, § 1°, III).

No mesmo dispositivo normativo, a Carta da República estabelece ser vedada qualquer utilização dos espaços territoriais especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção.

O texto constitucional, uma vez mais, é de clareza solar: instituído um espaço territorial especialmente protegido, sua utilização não poderá comprometer a integridade dos atributos que justificaram sua a proteção, ou seja, a sua função ecológica.

Portanto, tal mandamento constitucional vincula o poder público em todas as esferas:

  • o Poder Executivo deverá observá-lo em seus atos administrativos e, especificamente, no licenciamento ambiental;
  • o Poder Judiciário não poderá chancelar a utilização predatória dos espaços protegidos, devendo zelar pelo cumprimento de sua função ambiental; e,
  • ao Poder Legislativo, incumbirá observar o preceito na elaboração da legislação infraconstitucional.

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