Jurisprudência

Denúncia rejeita – Crime ambiental de poluição não comprovado

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

PROCEDIMENTO CRIMINAL DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA – CRIME AMBIENTAL (ART. 54, § 2º, INCISO V, DA LEI N. 9.605/98) – POTENCIALIDADE LESIVA – FALTA DE PROVA – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL – DENÚNCIA REJEITADA.

Diante da ausência de lastro probatório mínimo que demonstre o grau de potencialidade lesiva da poluição ambiental supostamente provocada pelo investigado, inviável é o recebimento da denúncia.

(TJ-MG – TC: 10000180136277000 MG, Relator: Marcos Flávio Lucas Padula, Data de Julgamento: 18/08/2020, Data de Publicação: 26/08/2020)

VOTO

Trata-se de DENÚNCIA ofertada em desfavor de Prefeito Municipal, imputando-lhe a prática do crime tipificado no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98.

Em resposta preliminar, sustenta a defesa que a denúncia deve ser rejeitada por ausência de justa causa para o exercício da ação penal, seja porque não há nos autos prova material do delito, seja porque inexiste qualquer descrição objetiva da atuação do investigado que o vincule à prática dolosa do delito que lhe é imputado.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo recebimento da denúncia. É o relatório. Segue a fundamentação.

Narra a exordial acusatória que, ao fazer funcionar um aterro, teria o acusado provocado a poluição do meio ambiente, contrariando normas regulamentares pertinentes, permitindo o lançamento de resíduos sólidos de origem urbana em níveis hábeis a possibilitar a ocorrência de danos à saúde humana.

Como é sabido, para fins penais, somente é relevante a poluição que resulte ou que possa resultar em danos à saúde humana ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

A propósito, esta é a redação do art. 54 da Lei n. 9.605/98:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§1º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§2º Se o crime:

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambientalgrave ou irreversível.

Percebe-se, pois, que, no crime de poluição, seja ele praticado na forma simples, na forma culposa ou na forma qualificada, a conduta prevista como típica é a que causa poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

In casu, apesar de ter o Ministério Público indicado boletins de ocorrência (fls. 10/18 e fls. 56/61) e autos de infração (ff. 62/63) como prova da materialidade do delito, não há nos autos lastro probatório mínimo que demonstre o grau de potencialidade lesiva da poluição ambiental gerada em razão do descarte de resíduos sólidos urbanos no aterro localizado em “Gusmão”.

Destaca-se que nenhum laudo pericial foi juntado aos autos.

Sobre a lesividade da poluição descrita no art. 54 da Lei n. 9.605/98, leciona Luiz Régis Prado:

O termo ‘em níveis tais’ exprime um certo quantum – suficiente -, elevado o bastante para resultar ou poder resultar em lesão à saúde humana. Por destruição significativa da flora deve ser entendida aquela realizada de maneira expressiva, de gravidade considerável. Tratam-se de corretivos típicos, excluindo-se do âmbito do injusto típico as condutas escassamente lesivas ou de pouca relevância para o bem jurídico tutelado (caráter fragmentário e subsidiário da intervenção penal). Também o estado de perigo exigido (possam resultar) deve ser grave, intenso e hábil para resultar em lesão à saúde humana. (Crimes contra o Ambiente. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2001. p. 172).

Assim, considerando que nem todo ato de causar poluição se enquadra na hipótese prevista no art. 54 da Lei dos Crimes Ambientais, inviável é o recebimento da denúncia, já que não restaram sequer minimamente demonstrados os danos potenciais ou efetivamente causados à saúde humana neste caso.

Sobre o tema, já decidiu este egrégio Tribunal de Justiça:

PROCESSO CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA – PREFEITO MUNICIPAL – CRIME AMBIENTAL – ARTIGO 54, § 2º, INCISO V, LEI 9605/98 – DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE CRIME EM TESE – INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS A LASTREAR A ACUSAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE POLUIÇÃO CAPAZ DE CAUSAR DANOS À SAÚDE HUMANA OU GERAR DANO AMBIENTAL GRAVE E IRREVERSÍVEL – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – IMPOSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL.

– A denúncia, para ser considerada válida, deve descrever fato criminoso, com todos os seus requisitos e circunstâncias. Não contendo a descrição de fato delituoso típico é inepta a denúncia e, por isso mesmo, não pode ser recebida, pois ninguém pode ser processado criminalmente por fato atípico.

– Não existindo elementos probatórios a indicar, com o mínimo de segurança exigível nesta fase, que o despejo de esgoto “in natura” no Córrego Traíras, seja capaz de ocasionar efetivo perigo de dano à saúde humana ou gerar dano ambiental grave e irreversível, inexiste justa causa para se instaurar ação penal contra o réu, Prefeito Municipal de Caetanópolis, pela suposta prática da infração prevista no artigo 54, § 2º, inciso V, e § 3º, da Lei 9.605/98. (TJMG – Ação Penal – Ordinário 1.0000.19.037967-7/000, Relator (a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 19/03/2020, publicação da sumula em 17/04/2020).

Feitas essas considerações, REJEITO A DENÚNCIA por ausência de justa causa para o exercício da ação penal, com fulcro no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

Caso seja acompanhado pelos eminentes pares, determino o arquivamento do presente feito.

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Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

Sumário

Tribunais: TJMG

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