Jurisprudência

Inconsistência no auto de infração ambiental – Nulidade

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IBAMA (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS). AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. INOBSERVÂNCIA, PELO IBAMA, DO DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO INCONSISTENTE. NULIDADE PERTINENTE. INOBSERVÂNCIA, PELA AUTARQUIA, DO SEU ÔNUS PROBATÓRIO (ART. 333, II, CPC). PROVAS TESTEMUNHAIS COLHIDAS POR CARTA PRECATÓRIA. REGULARIDADE NA CIENTIFICAÇÃO DO IBAMA QUANTO A DEPRECATA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 273 DO STJ. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelação e remessa oficial contra sentença de procedência proferida em ação anulatória de auto de infração movida em face do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em que se declarou nulidade do auto de infração n. 266571-D, lavrado por suposta destruição de 10 hectares de vegetação nativa, em área considerada de preservação permanente, sem autorização de órgão competente, nos termos do 70 c/c art. 38 da Lei n. 9.605/1.998. Houve deferimento de antecipação dos efeitos da tutela. A sentença atacada, integrada por outra sentença proferida em embargos de declaração, indica como razões de decidir: a) o conteúdo das provas testemunhais foram uníssonas na comprovação de que o autor-apelado ou sua esposa não foram os responsáveis pelo desmatamento, já concretizado antes da aquisição do imóvel; b) Inexistência de provas de continuidade da utilização da área degradada, conforme insistia o IBAMA; c) inexistência de nulidade processual, invocada pelo IBAMA, visto que regularmente intimada da expedição de carta precatória que culminou com a colheita das provas testemunhais. 2. O devido processo administrativo, enquanto esteio principiológico obrigatório para manutenção da multa imposta pela autarquia, foi sumariamente ignorado pelo IBAMA. Com efeito, o procedimento administrativo em lide ambiental deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com adequação entre os fins e meios (TRF1, AC AMS 2008.41.01.003469-1/RO, Juiz Marcelo Dolzany da Costa, Convocado, e- DJF1 de 01/03/2013, p. 659). No caso em exame, tal observância inocorreu. A sanção aplicada, coerente com a temerária sumariedade dos autos administrativos trazidos pela autarquia, não evidencia as circunstâncias em que se decidiu pela aplicação da multa, nem mesmo se houve obediência aos critérios previstos no art. 6º do Decreto 3.179, de 21.09.1999, que buscam conferir justeza e proporcionalidade a uma eventual penalidade aplicada. Deve-se considerar também não haver registro de que o autor-apelado seja reincidente no cometimento de infrações ambientais. Tudo aponta para a ilegalidade na confecção do ato administrativo sancionador, o que reclama severa reprimenda. 3. Ao fim do processo administrativo que confirmou a sanção de multa ao autor-apelado, o próprio apelante reconhece a errônea classificação do fato danoso descrito no auto de infração (destruição de mata), já que afirma que não houve flagrante, pois a área já se encontrava plantada, reconhecendo que era possível que o suposto desmate tenha se dado há mais de 10 anos, antes da aquisição do imóvel pelo autuado e sua esposa. Percebe-se que a certeza inicial que justificaria a aplicação da multa de valor considerável (R$ 15.000,00) não tinha qualquer lastro apuratório. Faltou, na esteira do devido processo administrativo, aquilo que a jurisprudência desta Corte tem denominado consistência do auto de infração. Somente após julgada a consistência do auto de infração é que a penalidade deve ser aplicada ao infrator (TRF1, AC 2001.38.00.036638-3/MG, Juiz Márcio Barbosa Maia, Convocado, e- DJF1 de 15/03/2013, p. 789). Nota-se que tais cautelas procedimentais, em nenhum momento, foram observadas pelo IBAMA no processo administrativo n. 0229.002231/02. 4. De fato, as faltas criminais e administrativas, tidas por aferidas pelos agentes públicos do IBAMA e reduzidas à escrito nos autos do processo administrativo, mesmo com descrições confusas, sumaríssimas e mal redigidas, desfrutam de presunção de legitimidade e veracidade, corolário fundamental do poder de polícia ambiental e de Administrações Públicas que se reputem eficientes. Contudo, trata-se, por óbvio, de presunção relativa (juris tantum) que clama solidificação probatória ao longo do processo administrativo ou em discussão judicial subseqüente, onde a verdade e justeza da ação administrativa tem que se provar em autos, especialmente se tal “presunção” sofre contraste em juízo. De rigor, isto não ocorreu no feito em exame, por parte do IBAMA. Assim, descabida a afirmação da autarquia acerca dos elementos de convicção trazidos pelos agentes públicos, a partir do malsinado auto de infração, que justificariam a dispensa da realização de perícia para verificação de desmatamento (fls. 49). Claro é que tal convicção exige, sim, prova técnica a ser feita, ou na seara administrativa, ou na seara judicial, como óbvio corolário do devido processo. Em resumo: nada se provou que justifique a manutenção do auto de infração e das suas respectivas sanções. 5. O IBAMA foi intimado pra especificar provas e nada disse. Quando o autor-apelado informou que não reunia condições para o custeio de prova pericial, também não se manifestou. Intimado da carta precatória expedida para a oitiva de testemunhas do autor, diante da não-elaboração da prova pericial antecedente, também se manteve silente. Tal inércia é imputável ao IBAMA e fundamenta a correção a sentença atacada, pois, ao contrário do que informa em seu apelo, não é o autor que deve provar o seu direito à anulação – que, por sinal, está bem provado, a partir do exame dos próprios autos administrativos juntados pelo IBAMA ao feito. Deveria, sem dúvida, a autarquia demonstrar a existência de fato impeditivo do pleito anulatório do autor (art. 333, II, CPC). Contudo, quedou-se inerte. 6. É sabido à saciedade que a súmula n. 273 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que havendo a intimação da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado. Tal súmula é reflexo de longa construção jurisprudencial que exige apenas a intimação da expedição da deprecata, cabendo ao IBAMA acompanhar os demais desdobramentos procedimentais. Como já se disse, exaustivamente, ao longo deste feito, a autarquia foi intimada regularmente. Além disto, é entendimento desta Corte que não se declara a nulidade de ato processual caso a alegação não venha acompanhada da prova do efetivo prejuízo sofrido pelo réu. Portanto, a suposta nulidade inexiste. 7. Apelação e remessa oficial não providas. Sentença mantida em todos os seus justos e precisos termos.

(TRF-1 – AC: 00019086020024014300, Relator: JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, Data de Julgamento: 30/07/2013, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 08/08/2013)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação e remessa oficial contra sentença de procedência proferida em ação anulatória de auto de infração, movida em face do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em que se declarou nulidade do auto de infração n. 266571-D, lavrado por suposta destruição de 10 hectares de vegetação nativa, em área considerada de preservação permanente, sem autorização de órgão competente, nos termos do 70 c/c art. 38 da Lei n. 9605/1998 (descrição do agente público, contida no auto de infração – fls. 62). Houve deferimento de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 27/33).

A sentença atacada (fls. 174-177), integrada por outra sentença proferida em embargos de declaração (fls. 192/195), indica como razões de decidir: a) o conteúdo das provas testemunhais (fls. 144-147) foram uníssonas na comprovação de que o autor-apelado ou sua esposa não foram os responsáveis pelo desmatamento, já concretizado antes da aquisição do imóvel; b) Inexistência de provas de continuidade da utilização da área degradada, conforme insistia o IBAMA; c) inexistência de nulidade processual, invocada pelo IBAMA, visto que regularmente intimada da expedição de carta precatória (fls. 136) que culminou com a colheita das provas testemunhais.

O IBAMA, em sua apelação (fls. 203-213), afirma, de início, que os autos reúnem elementos probatórios suficientes que justificam a responsabilização ambiental delineada no auto de infração, da qual o autor-apelado obteve a anulação em sentença. Afirma que a provas testemunhais apresentadas pelo autor-apelado são inábeis e nulas, sendo a prova pericial a única capaz de afastar a responsabilidade do proprietário autuado, que não foi devidamente providenciada por este. Sustenta o apelo, também, que o autor-apelado deu continuidade à destruição da APP (Área de Preservação Permanente), caracterizando o ilícito previsto no art. 25 do Decreto n. 3.179/1999. Neste sentido, sustenta que o vocábulo “destruição” utilizado no auto de infração é correto, pois constatado a presença de cultivo agrícola na APP, tem-se o indicativo de prévia destruição de vegetação nativa, donde emerge a responsabilização do autuado. Por derradeiro, o IBAMA suscita a violação, pela conduta infrativa do autor-apelado, dos artigos 225 e 170 da Constituição da Republica.

Contrarrazões (fls. 217-223) devidamente apresentadas.

É o relatório.

VOTO

A pretensão recursal não merece guarida.

O argumento fundamental do apelo, que justificaria a reforma da sentença e conseqüente manutenção do auto de infração anulado, é que os autos reúnem elementos probatórios suficientes para a responsabilização que a autora-apelada.

É induvidoso o dever do proprietário, ora autuado, de responder pela manutenção da área de preservação permanente, ainda que adquirida área já degradada, sendo obrigatório proceder à sua reconstituição naquilo que possível e dela não mais se utilizar. Tal obrigação é tida como decorrente da simples propriedade (obrigação propter rem), tendo ou não ocasionado o dano ambiental, constituindo entendimento consolidado em nossos tribunais, na doutrina e no Código Florestal revogado (Lei n. 4.771, de 15.09.1965), vigente à época dos fatos, especificamente nos artigos 2º e 18, caput.

Contudo, não se encontram nos autos do processo administrativo n. 0229.002231/02 (fls. 60-91), autuado em 27.06.2002 (fls. 60) – com efetivo início pela lavratura do auto de infração – e trazido a este feito pela própria autarquia, elementos que ofertem consistência às imputações que lastrearam a sanção administrativa aplicada, sendo mais que justificada a anulação judicial imposta ao ato administrativo punitivo.

Verifico, por exemplo, que o autor-apelado não foi devidamente cientificado sobre as violações que supostamente teria cometido; têm-se, apenas, uma mera notificação (fls. 63) que nada mais é do que um comunicado ao proprietário para que tratasse de assunto de seu interesse, classificado como desmatamento, junto ao IBAMA. Tal notificação não indica a base normativa dos supostos atos infrativos, nem uma explicitação, ainda que sumária, dos motivos da notificação, o que torna dificultosa a oferta de eventuais esclarecimentos pelo administrado, maculando o agir administrativo, que exige clareza e precisão técnica quando externado, ainda mais sob a força imperativa do poder de polícia ambiental, no qual estava investido o agente público autuante. Verifico, também, que não se apresentou, no processo, elementos comprobatórios do dano, sejam laudos, fotogramas ou depoimentos elucidativos dos agentes públicos que efetivamente autuaram e presenciaram as supostas infrações ambientais.

Por sinal, o devido processo administrativo, enquanto esteio principiológico obrigatório para manutenção da multa imposta pela autarquia, foi sumariamente ignorado pelo IBAMA. Com efeito, o procedimento administrativo em lide ambiental deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com adequação entre os fins e meios (TRF1, AC AMS 2008.41.01.003469-1/RO, Juiz Marcelo Dolzany da Costa, Convocado, e- DJF1 de 01/03/2013, p. 659) . No caso em exame, tal observância inocorreu. A sanção aplicada, coerente com a temerária sumariedade dos autos administrativos trazidos pela autarquia, não evidencia as circunstâncias em que se decidiu pela aplicação da multa, nem mesmo se houve obediência aos critérios previstos no art. 6º do Decreto 3.179, de 21.09.1999, que buscam conferir justeza e proporcionalidade a uma eventual penalidade aplicada. Deve-se considerar também não haver registro de que o autor-apelado seja reincidente no cometimento da infração em questão. Tudo aponta para a ilegalidade na confecção do ato administrativo sancionador, o que reclama severa reprimenda.

Ao fim do processo administrativo que confirmou a sanção de multa ao autor-apelado, o próprio apelante reconhece a errônea classificação do fato danoso descrito no auto de infração (destruição de mata), já que afirma, a fls. 91, que não houve flagrante, pois a área já se encontrava plantada, reconhecendo como possível que o suposto desmate tenha se dado há mais de 10 anos, antes da aquisição do imóvel pelo autuado e sua esposa. Percebe-se que a certeza inicial que justificaria a aplicação da multa de valor considerável (R$ 15.000,00) não tinha qualquer lastro apuratório. Faltou, na esteira do devido processo administrativo, aquilo que a jurisprudência desta Corte tem denominado consistência do auto de infração. Somente após julgada a consistência do auto de infração é que a penalidade deve ser aplicada ao infrator (TRF1, AC 2001.38.00.036638-3/MG, Juiz Márcio Barbosa Maia, Convocado, e- DJF1 de 15/03/2013, p. 789). Nota-se que tais cautelas procedimentais, em nenhum momento, foram observadas pelo IBAMA no processo administrativo n. 0229.002231/02.

De fato, as faltas criminais e administrativas, tidas por aferidas pelos agentes públicos do IBAMA e reduzidas à escrito nos autos do processo administrativo, mesmo com descrições confusas, sumaríssimas e mal redigidas, desfrutam de presunção de legitimidade e veracidade, corolário fundamental do poder de polícia ambiental e de Administrações Públicas que se reputem eficientes. Contudo, trata-se, por óbvio, de presunção relativa (juris tantum) que clama solidificação probatória ao longo do processo administrativo ou em discussão judicial subsequente, onde a verdade e justeza da ação administrativa tem que se provar em autos, especialmente se tal “presunção” sofre contraste em juízo. De rigor, isto não ocorreu no feito em exame, por parte do IBAMA. Assim, descabida a afirmação da autarquia acerca dos elementos de convicção trazidos pelos agentes públicos, a partir do malsinado auto de infração, que justificariam a dispensa da realização de perícia para verificação de desmatamento (fls. 49). Claro é que tal convicção exige, sim, prova técnica a ser feita, ou na seara administrativa, ou na seara judicial, como óbvio corolário do devido processo. Em resumo: nada se provou que justifique a manutenção do auto de infração e das suas respectivas sanções.

Se nada se demonstrou na via administrativa, melhor sorte não se apresentou para a atuação judicial da autarquia. Ao longo da instrução judicial, o IBAMA não se desincumbiu do seu ônus probatório. Já o autor desincumbiu-se dos seus deveres instrutórios pelos documentos que carreou aos autos e pela cópia dos autos administrativos trazida pela própria autarquia. O IBAMA, sim, inobservou seus deveres probatórios para dar supedâneo às suas alegações.

O IBAMA foi intimado para especificar provas e nada disse (fls. 111). Quando o autor-apelado informou que não reunia condições para o custeio de prova pericial (fls. 131), também a autarquia não se manifestou. Intimado da carta precatória expedida para a oitiva de testemunhas do autor (fls. 136), diante da não-elaboração da prova pericial antecedente, também se manteve silente. Tal inércia é imputável ao IBAMA e fundamenta a correção da sentença atacada, pois, ao contrário do que informa em seu apelo, não é o autor que deve provar o seu direito à anulação – que, por sinal, está bem provado, a partir do exame dos próprios autos administrativos juntados pelo IBAMA ao feito. Deveria, sem dúvida, a autarquia demonstrar a existência de fato impeditivo do pleito anulatório do autor (art. 333, II, CPC). Contudo, quedou-se inerte.

Por derradeiro, o recorrente fala, com fez em toda instrução processual, na ausência de intimação do IBAMA para a colheita da prova testemunhal (fls. 205), bem como ausência de convocação para os atos do juízo deprecado que precederam as oitivas, como esteio para se suscitar uma injustificada e procrastinatória alegação de nulidade da prova testemunhal nestes autos.

É sabido à saciedade que a súmula n. 273 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que, havendo a intimação da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado. Tal súmula é reflexo de longa construção jurisprudencial que exige apenas a intimação da expedição da deprecata, cabendo ao IBAMA acompanhar os demais desdobramentos procedimentais. Como já se disse, exaustivamente, ao longo deste feito, a autarquia foi intimada regularmente à fl. 136. Além disto, é entendimento desta Corte que não se declara a nulidade de ato processual caso a alegação não venha acompanhada da prova do efetivo prejuízo sofrido pelo réu. Portanto, a suposta nulidade inexiste.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo-se a sentença em todos os seus justos e precisos termos.

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Sumário

Tribunais: TRF-1

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