Jurisprudência

Prescrição – Multa Ambiental – Nulidade da CDA – Execução fiscal extinta

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

DIREITO ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. FEEMA. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA; NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – CDA; PRESCRIÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, EXTINGUINDO A EXECUÇÃO, RECONHECENDO A DECADÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA.

1. Trata-se de embargos à execução fiscal, opostos em face do Estado do Rio de Janeiro, objetivando, em resumo, o reconhecimento ilegitimidade ativa dos sócios da empresa executada, da decadência, da prescrição e de nulidade da CDA, com a consequente extinção dos créditos.

2. Da natureza jurídica: O vínculo estabelecido entre o ente público e os autores é de natureza pública, mas não tributária e sim administrativa, já que se trata de multa, vale dizer, sanção por ato ilícito a afastá-la do conceito de tributo que traz o artigo 3º do Código Tributário Nacional.

3. Da prescrição e decadência:

3.1. O prazo prescricional guarda relação com o lapso temporal no qual a Fazenda Pública pode ajuizar a ação de execução fiscal referente ao crédito já constituído.

3.2. Em relação à decadência, sabe-se que se refere ao lapso temporal que a Fazenda Pública dispõe para realizar a constituição do crédito.

3.3. Em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, o que somente ocorre em havendo decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade, quando, então, se considera constituído definitivamente o crédito não tributário. Precedente do e. STJ.

3.4. Quanto à decadência, há de se observar a tese fixada em julgamento pelo rito de recurso repetitivo, Tema 324-STJ : É de cinco anos o prazo decadencial para se constituir o crédito decorrente de infração à legislação administrativa”e, ainda, a Súmula nº 622 do STJ, que assim estabelece: A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.

3.5. Neste contexto, pode-se dizer que (i) o crédito não tributário é constituído definitivamente com a decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade e (ii) a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito.

4. Da hipótese dos autos: O Auto de Constatação se deu em 12/06/1990. O procedimento administrativo iniciou-se em 18/10/1990 e a lavratura do Auto de Infração em 12/12/1991, tendo sido a empresa infratora notificada para pagamento ou defesa, em 19/02/1992, quando, então, a princípio, cessaria a contagem doo prazo de decadência.

5. Ocorre que, na verdade, no caso, o crédito não tributário não fora constituído. É que, da análise do processo administrativo, verifica-se que não houve qualquer decisão definitiva aplicando a penalidade da multa que está sendo cobrada na Nota de Débito emitida em 11/09/1996. Outrossim, o processo ficou paralisado desde a emissão da referida Nota de débito (11/09/1996) até a data do seu encaminhamento ao arquivo em 07/02/2002, ou seja, por mais de cinco anos.

6. Por tais motivos, forçoso reconhecer que o Estado perdeu o direito de punir, de constituir o crédito não tributário, operando-se a decadência e, por isso, a r. sentença de extinção por decadência deve ser mantida, em remessa necessária, ainda que por outro fundamento.

7. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA. (TJ-RJ – REMESSA NECESSARIA: 00000471220048190007, Relator: Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO, Data de Julgamento: 24/01/2022, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de remessa necessária, ante a sentença de lavra do eminente Juiz de Direito Paulo Jos Bastos Cosenza, que, em embargos à execução fiscal, opostos em face do Estado do Rio de Janeiro, julgou extinta a execução por decadência, nos seguintes termos:

“Vistos, etc. Cuida-se de embargos à execução opostos, incidentalmente aos autos da execução fiscal que lhe move o Estado do Rio de Janeiro, objetivando, em resumo, o reconhecimento da prescrição e de alegadas nulidades da CDA, com a conseqüente extinção dos créditos tributários; tudo conforme inicial e documentos de fls. 02/56.

Impugnação do embargado às fls. 58/70 sustentando a inocorrência da prescrição e a regularidade, tanto da penhora quanto a execução. Cópias do processo administrativo que deu origem à CDA, fls. 78/87, sobre as quais tiveram as partes oportunidade de se manifestarem.

É o breve RELATÓRIO, passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR:

Compulsando as cópias não impugnadas do processo administrativo, verifica-se que o mesmo teve início em 18/10/1990, baseado em auto de constatação lavrado em 22/06/1990, com nota emitida em 11/09/1996.

Ora, como estabelece o artigo 173, I, do CTN, o direito da Fazenda Pública para constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser sido efetuado.

No caso em tela, o lançamento poderia ter sido efetuado no dia 01 de janeiro de 1991, quando iniciou-se o prazo decadencial, porém a nota de débito, como dito, somente foi emitida em 02 de setembro de 1996, ou seja, cinco anos e nove meses após o marco inicial, quando já fulminado o direito material, em razão de seu não exercício.

Frise-se que a decadência, nas palavras do eminente mestre e ex-Ministro Aliomar Baleeiro, “atinge o direito irrenunciável e necessitado de lançar, fulminando o próprio direito de crédito da Fazenda Pública, impedindo a formação do título executivo em seu favor e podendo, assim, ser decretada de ofício pelo juiz.”

Por derradeiro, o acolhimento de tal pedido dispensa a avaliação dos demais argumentos contidos na peça inicial. Posto isso, JULGO PROCEDENTES OS EMBARGOS, na forma do art. 269, I, do CPC, para declarar a decadência do embargado do direito de constituir o crédito perseguido. Por conseqüência, determino a desconstituição da penhora levado a termo nos autos da execução fiscal.”

Não resignado com o resultado da demanda, recorreu o exequente, Estado do Rio de Janeiro .

Os autos subiram em Remessa Necessária.

É o breve relatório do essencial. Passo a decidir.

VOTO

Trata-se de embargos à execução fiscal, opostos em face do Estado do Rio de Janeiro, objetivando, em resumo, o reconhecimento da prescrição e de alegadas nulidades da CDA, com a consequente extinção dos créditos.

Da natureza jurídica da multa ambiental

De início, cumpre esclarecer que o vínculo estabelecido entre o ente público e os autores é de natureza pública, mas não tributária e sim administrativa, já que se trata de multa, vale dizer, sanção por ato ilícito a afastá-la do conceito de tributo que traz o artigo 3º do Código Tributário Nacional. 1

Conquanto estabeleça a Lei de Execução Fiscal, nos termos de seu art. 2º, que constitui dívida ativa da Fazenda Pública tanto aquela de natureza tributária, como a não-tributária, as disposições relativas à prescrição contidas no CTN não se aplicam aos créditos de natureza não tributária.

Em hipótese alguma a sua exigência (do crédito não tributário) pode ser confundida com a exigibilidade de crédito tributário.

Isto porque, os créditos de caráter administrativo não se subordinam ao comando do disposto no art. 146, III, b, da Constituição da Republica, que reserva à lei complementar regramento da prescrição e decadência tributárias, remetendo o ao Código Tributário Nacional (art. 174), norma material-complementar em matéria tributária.

Assim, dada a natureza não-tributária do crédito, remanesce o caráter administrativo da relação a ensejar o crédito. Não é aplicável, portanto, o prazo previsto no Código Tributário Nacional.

Da prescrição e decadência

O prazo prescricional guarda relação com o lapso temporal no qual a Fazenda Pública pode ajuizar a ação de execução fiscal referente ao crédito já constituído.

Em relação à decadência, sabe-se que se refere ao lapso temporal que a Fazenda Pública dispõe para realizar a constituição do crédito.

Conforme a jurisprudência reiterada no âmbito do E. Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, aplicável, com base nos princípios da simetria e da igualdade, à execução de multas administrativas em decorrência do exercício do poder de polícia por estados e municípios, incide do término do processo administrativo, nos termos da Súmula 467 do STJ, em prestigio ao entendimento assentado no REsp 1105442 / RJ, julgado sob rito dos recursos repetitivos (Tema 135):

“É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito, com o vencimento do prazo do seu pagamento

O acórdão proferido no recurso paradigma restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ARTIGO 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32). 2. Recurso especial provido.( REsp 1105442 / RJ RECURSO ESPECIAL 2008/0252043-8 – Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO – PRIMEIRA SEÇÃO – Data do Julgamento: 09/12/2009 – Data da Publicação/Fonte – DJe 22/02/2011)

É de se destacar que a orientação firmada pela referida Corte Superior no sentido da aplicabilidade do prazo prescricional quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, na hipótese de execução fiscal para cobrança de multa administrativa oriunda da Administração Pública Estadual ou Municipal, a despeito da impossibilidade de aplicação subsidiária da Lei 9.873/99, por se tratar de lei específica sobre prescrição com eficácia limitada à Administração Pública Federal, repousa no Princípio da Simetria e da Isonomia que deve reger os prazos prescricionais relativos às relações entre as mesmas partes, em observância ao entendimento doutrinário pátrio e aos julgados de ambas as Turmas integrantes da Primeira Seção do STJ. Vejamos:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. LEI 9.873/1999. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS DESENVOLVIDAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/1932. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que em casos de ação anulatória de ato administrativo ajuizada em desfavor da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, em decorrência do exercício do poder de polícia do Procon, é inaplicável a Lei 9.873/1999, sujeitando-se a ação ao prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. 2. É indubitável a aplicação analógica desse dispositivo para a execução de multas administrativas no prazo de cinco anos, contados do término do processo administrativo, conforme teor da Súmula 467 do STJ . 3. Contudo, no caso dos autos, não houve transcurso do prazo prescricional, porquanto encerrado o processo administrativo em 2012, sendo esse o termo inicial para a cobrança da multa, o que afasta a prescrição quinquenal. 4. O art. 1º do Decreto 20.910/1932 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, prevista apenas na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. 5. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação do Estado do Paraná, ante a inaplicabilidade do art. 1º do Decreto 20.910/1932 para este fim, bem como das disposições da Lei 9.873/1999, deve ser afastada a prescrição da multa administrava no caso, já que, em tais situações, o STJ entende caber “a máxima inclusio unius alterius exclusio, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la” ( REsp 685.983/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20/6/2005, p. 228). 6. Recurso Especial provido.” ( REsp 1662786 / PR RECURSO ESPECIAL 2017/0064747-1 – Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN – SEGUNDA TURMA – Julgamento: 16/05/2017 – Publicação/Fonte: DJe 16/06/2017)

Seguindo essa linha de intelecção, é possível estabelecer que, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, o que somente ocorre em havendo decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade, quando, então, se considera constituído definitivamente o crédito não tributário.

Quanto à decadência, há de se observar a tese fixada em julgamento pelo rito de recurso repetitivo, Tema 324-STJ : É de cinco anos o prazo decadencial para se constituir o crédito decorrente de infração à legislação administrativa.

Há que se considerar, ainda, a Súmula nº 622 do STJ, que assim estabelece:

A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial. (grifo nosso)

Neste contexto, pode-se dizer que (i) o crédito não tributário é constituído definitivamente com a decisão definitiva do processo administrativo de imposição da penalidade e (ii) a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito.

Ocorre que, na verdade, no caso dos autos, o crédito não tributário não fora constituído . É que, da análise do processo administrativo, verifica-se que não houve qualquer decisão definitiva aplicando a penalidade da multa que está sendo cobrada.

Outrossim, o processo ficou paralisado desde a emissão da referida Nota de débito até a data do seu encaminhamento ao arquivo, ou seja, por mais de cinco anos.

Por tais motivos, forçoso reconhecer que o Estado perdeu o direito de punir, de constituir o crédito não tributário, operando-se a decadência e a r. sentença de extinção deve ser mantida, em remessa necessária, ainda que por outro fundamento.

À conta de tais fundamentos, mantenho a r. sentença em remessa necessária.

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Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

Sumário

Tribunais: TJRJ

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