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Ação por crime ambiental apenas contra pessoa jurídica

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

O art. 225, § 3º, da Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica por condutas lesivas ao meio ambiente. No mesmo sentido é a Lei 9.605/98, a qual consagra a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas por crimes ambientais.

Veja-se que a Lei 9.605/98, ao regulamentar o preceito constitucional previsto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, é hialina ao prever a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas pela prática de Crimes Ambientais.

Assim, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento e pratica atos no meio social, poderá a vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal – STF tenha afastado a teoria da dupla imputação no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 548.181/PR, em que admitiu a possibilidade de a pessoa jurídica figurar de forma isolada no polo passivo de ações penais.

Ocorre que para nós, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais somente pode ocorrer se houver a imputação simultânea do crime ambiental por ela cometido com a pessoa física que a representa, ou que atue em nome da empresa ou em benefício da mesma.

Isso porque, não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.

Ora. Não se pode responsabilizar criminalmente apenas as pessoas jurídicas que sequer possuem consciência e vontade para praticar crimes ambientais, sobretudo quando o objetivo das penas tem por finalidade prevenir crimes e reeducar o infrator, objetivos impossíveis de serem alcançados em relação às pessoas jurídicas, que são entes fictícios, incapazes de assimilar tais efeitos da sanção penal.

Assim, o melhor entendimento seria a responsabilização penal e administrativa da pessoa jurídica juntamente com a pessoa física por ela responsável, na medida em que aquela se incumbiria de reparar os danos causados pela infração e esta se submeteria aos efeitos da respectiva sanção penal.

Responsabilização da pessoa física e jurídica por crime ambiental

O artigo 3º da Lei 9.605/98, ao disciplinar o dispositivo constitucional prevê a hipótese de coautoria necessária, ou seja, não dissocia a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal, contratual ou colegiado, no interesse da sociedade, in verbis:

Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil  e  penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão   de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da  sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Observa-se que, mesmo que se traga à responsabilização penal e à aplicação de penas a pessoa jurídica, os atos da pessoa física não ficam dissociados do tipo penal e da relação de causalidade entre a conduta e o resultado.

Nesses termos, a responsabilização criminal da pessoa jurídica só será possível mediante o preenchimento de requisitos estabelecidos no art. 3º da Lei 9.605/98, ou seja, com descrição pormenorizada dos atos praticados pelos representantes legais ou órgãos colegiados, sob pena de faltar o pressuposto para que o processo-crime se desenvolva corretamente.

Responsabilidade da pessoa jurídica por crime ambiental

A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.

Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.

A pessoa jurídica, portanto, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.

De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.

A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A coparticipação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.

Logo, a questão está na dupla imputação que é exigida para a caracterização da conduta delituosa da pessoa jurídica, quando deve ser aliada à sua conduta a de quem a representa.

Assim, inexistindo imputação simultânea à pessoa jurídica e à pessoa física responsável, comissiva ou omissivamente, pelo delito ambiental, condição necessária ao prosseguimento do feito, é inépcia a ação penal.

Crime ambiental não pode ser cometido pela pessoa jurídica sem a física

O crime ambiental é sempre de coautoria necessária da pessoa física e jurídica. Vale dizer que, só se pode admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja também a imputação do delito à pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa) e, de alguma forma determinou a prática do ato causador do dano ambiental ao atuar em nome ou em benefício da pessoa jurídica.

Consoante leciona José Paulo Baltazar Junior a lei brasileira adotou o sistema da dupla imputação ou da coautoria necessária, traduzida na obrigatória responsabilização das pessoas físicas ao lado das pessoas jurídicas, na medida de sua culpabilidade, com fundamento no parágrafo único do artigo 3° da LCA. Com efeito, exige-se que a denúncia seja simultânea para a pessoa jurídica e a pessoa física, ao argumento de que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age como elemento subjetivo próprio (STJ, REsp. 564960/SC, Dipp, 5ª T., 13.06.05).”

Dito de outra forma, nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.

Assim, quando a denúncia não imputa a prática delitiva de qualquer crime ambiental à pessoa física relacionada à pessoa jurídica, mesmo que por atos comissivos por omissão, tendo apenas denunciado esta última, a jurídica, tem-se por inepta a inicial acusatória ante a ausência da descrição pormenorizadas dos atos praticados pelos representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados no interesse da sociedade.

Conclusão

O entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF de que é possível que a pessoa jurídica figure sozinha no polo passivo da ação penal, para nós, é equivocado.

É que o fundamento da decisão do STF foi o simples fato poderia haver impunidade dos crimes ambientais cometidos por grandes corporações, nas quais a inerente descentralização e a distribuição de atribuições e responsabilidades dificultaria, sobremaneira, a imputação do fato ilícito a uma pessoa física.

Com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal – STF, mas criticando-o, o entendimento firmado no Recurso Extraordinário – RE 548.181/PR teve como objetivo punir, simplesmente punir a pessoa jurídica que causar dano ambiental, independente da apuração da responsabilidade da pessoa física que efetivamente deu a ordem ao suposto ilícito, questão que não se coaduna com o caráter repressivo e pedagógico das sanções penais.

Por muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve entendimento pacificado de que a omissão em atribuir responsabilidade à pessoa física responsável acarretava na inépcia da denúncia.

Assim, embora admita-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, é imprescindível que haja a imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.

Portanto, o crime ambiental imputado tão somente à pessoa jurídica, não sendo incluída na denúncia os atos praticados pela pessoa física responsável pelo suposto crime ambiental que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabiliza a instrução da ação penal, pois é o administrador que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa), atuando em nome e proveito da pessoa jurídica.

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