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Auto de infração ambiental aplicado por poluição pode ser anulado

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

Auto de infração ambiental aplicado por poluição (art. 61 ou art. 62 do Decreto 6.514/08) deve demonstrar os resultados da conduta e quantificar os danos ambientais a partir de elementos técnicos, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa o que acarreta na nulidade do auto de infração ambiental.

A conduta de causar poluição é tipificada como infração administrativa ambiental e está prevista no art. 61 do Decreto Federal 6.514/2008, cujo teor se transcreve:

Art. 61.  Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).

Parágrafo único.  As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.

Da leitura do parágrafo único em destaque, depreende-se que a incidência da penalidade de multa cominada no dispositivo pressupõe a identificação dos danos ao meio ambiente e seu dimensionamento, por meio de laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental.

Também se infere que eventual multa deve ser aplicada “em conformidade com a gradação do impacto”, isto é, respeitando-se a proporcionalidade entre a extensão dos danos e a severidade da sanção.

Ao se referir a “laudo técnico”, a norma em exame impõe a necessidade de demonstrar, como base em elementos técnicos, a ocorrência de “poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade”. É preciso ainda estimar tecnicamente a extensão dos impactos ambientais verificados.

O cumprimento dessas exigências normativas não obriga a produção de documento meramente formal intitulado “laudo técnico”, mas sim a efetiva demonstração técnica acerca dos danos e sua dimensão, seja no próprio auto de infração ou em documento que o acompanhe.

Essas exigências cumprem a finalidade de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa à parte autuada no processo administrativo.

Isso porque, sem elementos técnicos que demonstrem a ocorrência dos danos e sua dimensão, é inviável a impugnação racional dos fatos que determinam a materialidade da infração e o valor da multa.

Caso concreto de poluição

Em um caso em que nosso Escritório atuou, discutia-se um auto de infração em debate foi lavrado diante da seguinte conduta:

Ter efetuado lançamento de efluentes orgânicos, sendo que o efluente vazou diretamente na praia.

Formalizou-se ainda relatório com o seguinte teor:

Atendendo denúncias de vazamento de esgoto, a equipe de fiscalização esteve no local e constou a veracidade da denúncia através de filmagens dos moradores próximos ao local.

Como se vê, os fiscais do órgão ambiental constataram o escoamento de esgoto bruto diretamente na praia, porém, no caso, a autuação não produziu nenhum elemento técnico capaz de demonstrar a quantidade de efluente que foi despejada na praia, nem mesmo por estimativa.

Sem informação a respeito da quantidade, não foi possível aferir se o dano ambiental provocado representava risco à saúde humana ou se seria capaz de causar mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade, nos termos do art. 61 do Decreto Federal 6.514/2008.

Ademais, a ausência de elementos quantitativos inviabilizou o dimensionamento de eventual multa.

Seria plenamente viável aferir a quantidade aproximada de efluentes escoados do esgoto à praia, bastando, para tanto, medir a vazão média e o tempo de duração do fluxo verificado.

A partir disso, seria possível inclusive estimar e dimensionar os danos ao meio ambiente, já que a composição do “esgoto bruto” é conhecida, assim como seus efeitos.

Conclusão

Vale também mencionar que o simples despejo de efluentes sem tratamento em rios, praias ou no mar pode, em tese ― e independente dos resultados –, configurar as infrações descritas no art. 62, V e IX, do Decreto Federal 6.514/2008, in verbis:

Art. 62.  Incorre nas mesmas multas do art. 61 quem:[…] V – lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos;[…] IX – lançar resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou quaisquer recursos hídricos;       […]

§ 1º  As multas de que tratam os incisos I a XI deste artigo serão aplicadas após laudo de constatação.

Apesar disso, em casos como o citado, a quantificação do dano ambiental afigura-se imprescindível para fixar a multa, tanto na hipótese prevista no art. 61 quanto nas do art. 62 do decreto em alusão, considerando a enorme variação admitida no arbitramento da sanção pecuniária, de R$ 5.000,00 a R$ 50.000.000,00.

Portanto, quando o auto de infração deixar de demonstrar os resultados da conduta (risco à saúde, mortandade de animais ou destruição significativa da biodiversidade) e de quantificar os danos ambientais a partir de elementos técnicos, não estará observando os requisitos prescritos no art. 61 do Decreto Federal 6.514/08.

Tal inobservância viola os princípios do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo (Constituição Federal, art. 5º, caput, LV) e acarreta na nulidade do auto de infração ambiental.

 

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