É de conhecimento geral que o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que, nos processos administrativos ambientais federais, a declaração de nulidade decorrente da intimação por edital para apresentação de alegações finais só será possível se houver prova de prejuízo à defesa do autuado.
De acordo com o STJ, as regras da Lei 9.784/99 são aplicadas de forma subsidiaria à Lei 9.605/98, a qual estabelece o processo administrativo ambiental regulamentado pelo Decreto 6.514/2008, que permite, em seu artigo 122, a intimação por edital para as alegações finais.
A bem da verdade, o STJ disse que a intimação por edital criada pelo Poder Executivo através de decreto é válida, enquanto a intimação do interessado por via postal com aviso de recebimento ou outro meio que assegure a certeza da sua ciência prevista no art. 26 da Lei 9.784/99, é de aplicação subsidiária, ou melhor, dispensável.
No entanto, também é de conhecimento geral, que a decisão do STJ ao reconhecer a validade das intimações por edital realizadas por edital para que os autuados apresentassem suas alegações finais nos processos administrativos em que figuravam como parte, foi meramente política, contrariando a própria jurisprudência da Corte aplicada em todas as outras áreas do Direito.
Afinal, a mera publicação do edital de intimação no diário oficial não supre a exigência de notificar pessoalmente e por escrito os autuados por infração ambiental, sob a pena de violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da publicidade.
Intimação por edital é, e sempre foi, nula, se o endereço é conhecido
A intimação por edital é uma forma excepcional de comunicação de atos. Daí porque, constitui ofensa ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, quando a notificação para apresentação de alegações finais no processo administrativo para apuração de infração ambiental é realizada por meio de edital fixado na sede administrativa do órgão ambiental, sobretudo quando o autuado possui endereço conhecido da autoridade administrativa.
Ora, o cidadão comum não pode ser obrigado a ler diuturnamente o diário oficial para ter ciência de decisões que lhe são contrárias, possua ele defesa técnica constituída ou não.
Sem dúvida, tal forma de intimação gera um obstáculo ao pleno desenvolvimento da ampla defesa, ao impedir, por exemplo, que tome conhecimento do prazo para apresentar suas alegações finais e se manifeste pela última vez no processo, antes da decisão da autoridade competente.
Sobre a intimação via diário oficial do cidadão, o próprio Superior Tribunal de Justiça afirmou que é inviável exigir que o cidadão comum acompanhe, diariamente, com leitura atenta, as publicações oficiais (RMS 33132/SC):
[…] 2. De acordo com o art. 26, § 3º da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal, a intimação dos atos processuais deve ser efetuada por meio que assegure a certeza da ciência do interessado, o que não se coaduna com a mera publicação no Diário Oficial do ato sancionador. Uma das mais essenciais características do devido processo contemporâneo é a da ampla defesa, que preserva ao indivíduo o pleno conhecimento do que há contra ele, e isso tem sua eficácia condicionada pela efetiva ciência do interessado.
3. A intimação através de publicação no Diário Oficial não é comum, na nossa tradição jusprocessualística, para cientificar a parte de qualquer ato processual, sendo tradicionalmente utilizada só e somente para cientificação do representante legal da parte (Advogado).
4. O direito do sancionado de recorrer da decisão que lhe aplicou a penalidade, é constitucional e não pode ser postergado, independentemente de estar reconhecido em lei; ademais, está diretamente vinculado à intimação pessoal, que deve ser efetiva e segura.
Veja-se que há evidente violação das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório quando a parte interessada não é intimada da decisão ou despacho por um meio que assegure a certeza de sua ciência.
Afinal, um cidadão comum não é obrigado a ler diariamente o diário oficial para saber se contra ele existe alguma decisão, seja negativa ou positiva. Essa tarefa é direcionada, exclusivamente, aos advogados.
A ampla divulgação das decisões cabe à Administração
De acordo com o princípio constitucional da publicidade, insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal, é dever da Administração Pública conferir aos seus atos a mais ampla divulgação possível, principalmente quando os administrados forem individualmente afetados pela prática do ato.
Desse modo, quando a Administração Pública tem conhecimento do endereço do autuado ou há advogado constituídos nos autos por ele, restará violado o princípio da publicidade pela inobservância da ampla publicidade de seus atos.
Isso porque, não se pode exigir, do cidadão comum, a leitura sistemática do Diário Oficial, ainda mais durante anos. E quem disse isso foi o STJ, lembra? À propósito:
1. Consoante jurisprudência do STJ, com o princípio da publicidade, expressamente previsto no art. 37, caput, da CR∕88, os atos da Administração devem ser providos da mais ampla divulgação possível a todos os administrados e, ainda com maior razão, aos sujeitos individualmente afetados.
2. Desarrazoável é exigir que os cidadãos devem ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 27.724 – RN (∕-0) RELATOR: MINISTRO).
Embora essa seja a orientação do STJ quando à convocação de candidato aprovado em concurso público e afins, por não ser razoável impor aos candidatos a exigência de leitura diária do diário oficial, por tempo indeterminado, para tomarem conhecimento de sua convocação, com mais razão ainda deve ser o entendimento de que a intimação em processo administrativo sancionador deve, obrigatoriamente, ser realizada através de um meio que assegure a certeza do interessado, seja ela qual for.
A intimação por edital é medida excepcional, determinada ou realizada quando os interessados são indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, ou quando a intimação pessoal, por carta ou por meio eletrônico resultar infrutífera.
Se é verdade que este é um Estado Democrático de Direito, a Administração Pública não pode se eximir de suas responsabilidades perante o administrado. Além do mais, só a publicação da intimação por edital para alegações finais no Diário Oficial, não cumpre o princípio da finalidade do ato administrativo ao qual está, também, sujeita a Administração.
O concursado tem direito. O autuado não.
Não se afigura razoável exigir que o autuado, após o encerramento da instrução, fosse diariamente, por anos, as vezes mais de década, visitar as páginas do Diário Oficial, à procura de uma eventual intimação para apresentar alegações finais em um processo que quiçá se recorda.
Esse comportamento, de ler o Diário Oficial diariamente, é tão incomum que não se poderia esperar nem mesmo de um completo desocupado, talvez de algum neurótico obsessivo…
Embora julgando caso relacionado a concurso público, o STJ entendeu descabido exigir que o candidato acessasse o Diário Oficial todos os dias em um mundo cada vez mais cheio de informação:
“Com o desenvolvimento social cada vez mais marcado pela crescente quantidade de informações oferecidas e cobradas habitualmente, seria de todo irrazoável exigir que um candidato, uma vez aprovado em concurso público, adquirisse o hábito de ler o Diário Oficial do Estado diariamente, por mais de 3 anos, na expectativa de se deparar com a sua convocação; a convocação pela via do DOE, quando prevista no Edital, seria aceitável se operada logo na sequência da conclusão do certame, mas não um triênio depois’ (STJ/RMS 27.495/AP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho)”
E, pouco tempo depois, o mesmo STJ remarcou que “desarrazoável é exigir que os cidadãos devem ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos” (RMS 027724, rel. Min. Celso Limongi, DJe 09/10/2009).
E depois, ainda disse que, diante do longo lapso temporal (três anos) decorrido entre a homologação do concurso e a convocação do candidato recorrente, concluiu, provendo o recurso, que ele deveria ter sido comunicado pessoalmente para que pudesse exercer o seu direito à posse, se assim fosse de seu interesse, apesar de não haver qualquer previsão no edital do certame quanto a isso (RMS 21.554-MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 04/05/2010). Assim deveria ter procedido a Administração em relação às impetrantes e, ao não fazê-lo, violou direito líquido e certo”.
Se assumir um cargo público é um direito do cidadão que foi aprovado em concurso, e para efetivar esse direito deve-se realizar a intimação pessoal ou um meio que assegure a certeza de sua ciência, por qual razão um cidadão que responde a processo administrativo sancionador pode ser intimado por edital se ao final dele poderá ser penalizado e sofrer perdas em seu patrimônio?
Conclusão
A Administração Pública não pode acreditar que apenas o autuado tem obrigações. Aliás, a maioria esmagadora dos processos administrativos ambientais sancionadores possui um lapso temporal demasiadamente grande entre os atos administrativos, inclusive entre a defesa administrativa e o momento para alegações finais.
Não é incomum anos separarem a lavratura do auto de infração ambiental do despacho que determina a intimação do autuado para apresentar suas alegações finais. Sobretudo em casos como esse, é inadmissível esperar que o autuado se atente a todas as publicações do diário oficial.
A propósito, nesse sentido tem sido o posicionamento dos Tribunais pátrios nos julgamentos dos Mandados de Segurança, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito:
O STJ firmou orientação no sentido de que a publicação da convocação de candidato somente no Diário Oficial, após o transcurso de considerável lapso temporal entre uma fase e outra, para a qual houve a convocação, contraria o princípio da publicidade dos atos administrativos (AgRg no RMS 34.211/MG).
Ora. Se a convocação dos candidatos aprovados em concurso público não deve ocorrer apenas em Diário Oficial, em obediência ao princípio constitucional da publicidade dos atos da Administração Pública, por qual razão esse direito é flexibilizado para autuados por infração ambiental?
Da mesma forma que não pode a Administração Pública exigir que o candidato, aprovado em concurso público, proceda à leitura sistemática do Diário Oficial por prazo indeterminado para verificar se foi nomeado, também não pode exigir que o autuado leia o diário para saber se está no prazo de apresentar suas alegações finais e se manifestar pela última vez no processo administrativo antes de receber sua eventual pena.
Portanto, está na hora do STJ rever seu entendimento, porque tem-se como extremamente prejudicado os direitos inerentes aos autuados por infração ambiental que, deixando de tomar ciência inequívoca das decisões contra si emanadas, deixam de exercer de forma satisfatória a ampla defesa e contraditório em processo sancionador contra si instaurados