Sim, é possível regularizar um animal silvestre que vive há muito tempo em ambiente doméstico, porque o objetivo maior da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais.
Logo, a devolução do animal ao seu habitat natural não seria razoável, nem lhe proporcionaria proteção, tendo em vista que ninguém melhor que seu tutor para cuidar de sua saúde e bem estar sempre que ficar demonstrado os hábitos e a adaptação ao ambiente doméstico.
Justamente por isso é que a jurisprudência tem admitido a manutenção em ambiente doméstico de animal silvestre que já vive em cativeiro há muito tempo, notadamente quando as circunstâncias do caso concreto não recomendem o retorno da espécime ao seu habitat natural.
Inclusive, cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida confortável em ambiente doméstico?
E mais. Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? Será que algum zoológico destinará ao animal o mesmo tratamento de que que seu tutor lhe tributa há tantos anos?
Esses são questionamentos que nos levam à conclusão que o melhor para o animal silvestre é realmente permanecer em ambiente doméstico. Trata-se de bom senso e melhor proteção do animal.
Ter animal em casa é crime ambiental?
Sim. A conduta de ter em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, além de infração administrativa, configura crime ambiental, nos termos da Lei 9.605/98, in verbis:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
1º Incorre nas mesmas penas: (…)
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
Por outro lado, o próprio § 2° do citado art. 29 da Lei n° 9.605/98, é expresso no sentido de que:
“§ 2° No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.”
Percebe-se que o próprio o art. 29, § 2ª da Lei 9.605/98 expressamente enuncia que no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
Desse modo, se o juiz pode deixar de aplicar a pena por se tratar de animal silvestre domesticado, evidente a possibilidade de regularização. Afinal, não faria sentido deixar de aplicar a pena ao mesmo tempo que o animal é apreendido e destinado a um centro de triagem para readaptação incerta ao ambiente natural.
Animal fica com o dono! – Jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça – STJ consolidou entendimento da possibilidade de manutenção de animal silvestre em ambiente doméstico quando já adaptado ao cativeiro por muitos anos, em especial, e quando as circunstâncias fáticas não recomendarem o retorno ao seu habitat natural.
Isso porque, a norma tem o intuito de proteger o animal, e, portanto, a melhor solução à espécie é ficar em posse de seu criador.
Entre soltar o animal na natureza e este sucumbir por não conseguir se sustentar, além de ser alvo fácil para predadores, ou inseri-lo num outro cativeiro com aves, ainda que da mesma espécie, onde também sofrerá inegáveis problemas de ambientação, causando-lhe traumas, muito mais sensível e lógico sua manutenção junto à pessoa que o acolheu e despendeu tempo e carinho ao longo do tempo, estando o seu bem estar plenamente resguardado e protegido.
Sendo assim, é possível ajuizar ação, inclusive com pedido de tutela antecipada, para reaver e regularizar animal silvestre apreendido durante fiscalização ambiental.
O que alegar na ação para reaver o animal
Quando o animal silvestre é apreendido for apreendido é possível ajuizar uma ação de regularização de animal silvestre cumulada com devolução do animal apreendido e tutela de urgência.
O pedido pode ser deduzido da seguinte forma em face do órgão ambiental fiscalizador:
- restituir o animal apreendido;
- proceder à regularização da guarda do animal silvestre;
- não apreender o animal, a fim de que este seja mantido com seu criador; e
- se abster de aplicar qualquer espécie de sanção em razão da posse irregular do animal silvestre, tendo em vista a boa-fé.
Requisitos que autorizam a devolução do animal silvestre apreendido
Para tanto, deve-se comprovar alguns requisitos:
- A guarda do animal silvestre denota longo tempo, assim como está fora do seu habitat natural há anos;
- Sempre foi tratado com muito carinho e zelo quanto à alimentação, higiene e espaço onde vive;
- Possui muito apego ao criador;
- O animal e seu criador não suportariam a separação;
- A espécie de animal silvestre não está ameaçada de extinção;
- São oferecidos ao animal alimentos diversos e de boa qualidade;
- O animal se encontra adaptado ao ambiente em que vive;
- O nível de bem-estar, físico e psicológico, do animal seria mais afetado na hipótese de perda da convivência com seu criador.
- O criador não procedeu com dolo/intenção deliberada de degradar o meio ambiente, pelo contrário, agiu de boa-fé, pois não viu mal algum em receber e cuidar de um animal silvestre.
- A pessoa desconhecia a legislação ambiental e, portanto, não tinha ciência de que a guarda do animal silvestre em ambiente doméstico seria comportamento contrário ao ordenamento jurídico.
- Que o animal não tem condições de ser introduzido ao habitat natural, visto que já possui sobrevida similar ao tempo que poderia sobreviver na natureza, além de sofrer de limitações que o impedem de Nesse passo, sua permanência com seu criador lhe possibilitaria maior sobrevida, com nível de bem-estar adequado;
Conclusão
Quando se verificar que o animal silvestre convive no seio familiar há anos, inexistindo aferição de maus-tratos nem de presença de risco à vida do animal, igualmente não se cuidando de espécie em extinção, e que, há sério risco à sua vida, porque será retirado de local onde se acostumou a viver, bem assim da convivência de pessoa que o tratou durante anos, portanto inegável, não poderá retornar ao seu ambiente natural.
Também será traumático ao animal, se ao invés de ser devolvido à natureza, for solto em outro cativeiro com aves, pois acostumou-se como animal em convívio e trato de humanos.
Em tais circunstâncias se afigura desarrazoada e desproporcional a apreensão administrativa do animal para retorno ao seu ambiente natural ou para sua soltura em outro cativeiro, uma vez que tal medida, ao invés de lhe trazer benefícios, pode ocasionar significativos riscos à sua sobrevivência, pelo fato deste já se encontrar plenamente adaptado ao convívio e trato humano.