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Multas ambientais desproporcionais, excessivas e confiscatórias

Multa ambiental
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Advogado Ambiental
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Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

A finalidade da multa ambiental está ligada à punição e educação do infrator, atribuindo-lhe ônus indesejável para que não pratique novamente a conduta desvalorada pela administração pública, de modo que multas ambientais desproporcionais, excessivas e confiscatórias devem ser reduzidas, pois ilegais.

Embora as sanções administrativas possuam caráter pecuniário, a natureza da penalidade administrativa nunca está relacionada com finalidade arrecadatória, por razão disto, didaticamente se divide as receitas estatais em tributárias (com natureza arrecadatória) e não-tributárias (sem natureza arrecadatória).

A multa ambiental administrativa é verba de natureza não-tributária, portanto possuí finalidade diversa do abastecimento dos cofres públicos, por isso o regramento aplicável aos tributos não é aplicável ao direito sancionatório.

A administração pública ao condenar seus administrados ao pagamento de multas ambientais, deve observar critérios específicos que limitam sua atividade:

  1. a imposição da multa deve estar precedida de um procedimento administrativo que observou direitos fundamentais, em especial o contraditório e ampla defesa (CRFB/88, art. 5º, LV), sob pena de nulidade de todo procedimento;
  2. a dosimetria do quantum cominado deve estar relacionada com critérios de proporcionalidade e razoabilidade, pois a multa desproporcional possuí natureza diversa da pedagógica e finalidade próxima da arrecadatória, própria dos tributos.

Quando o procedimento administrativo instaurado para apurar a prática de infração ao  meio ambiente não observar os princípios do contraditório e ampla defesa, será nulo e deve ser arquivado sem a imposição de multas ambientais.

Por outro lado, ainda que o procedimento seja observado e oportunizar ao autuado a impugnação dos atos procedimentais, porém, o fundamento legal para aplicação da multa é desproporcional, ilimitado e com natureza confiscatória na atribuição do da multa administrativa quantum, haverá a nulidade do ato administrativo.

Isso é muito comum nos casos de aplicação de multas ambientais com base em Lei Municipal, quando dá ensejo à aplicação da multa e atribui ao infrator ônus sem previsão de teto máximo do total acumulado da multa, dando azo a situações jurídicas insustentáveis.

Multa ambiental desproporcional

A aplicação de montantes incondicionados de multa importa em grave risco de inviabilização da atividade econômica de empreendedores ou do sustento de pessoas físicas.

Não bastassem, o direito sancionatório deve observar os princípios e regras gerais do direito penal, conforme leciona Marçal Justen Filho[1]:

As sanções administrativas apresentam configuração próxima às sanções de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idêntico, ao menos semelhante. Os princípios fundamentais de direito penal vêm sendo aplicados no âmbito do direito administrativo.

Lúcia Valle Figueiredo afirmava que os procedimentos repressivos sancionatórios se caracterizam precisamente pela aplicação dos princípios do processo penal. Isso propicia inúmeras decorrências.

No direito penal a dimensão limitadora da atividade legislativa inerente ao princípio da proporcionalidade é estudada com mais rigor. A doutrina penalista é unânime em afirmar que a Lei em abstrato deve respeito aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade:

O campo de abrangência, e por que não dizer de influência do princípio da proporcionalidade, vai além da simples confrontação das consequências que podem advir da aplicação de leis que não observam dito princípio.

Na verdade, modernamente a aplicação desse princípio atinge inclusive o exercício imoderado de poder, inclusive do próprio poder legislativo no ato de legislar. Não se trata, evidentemente, de questionar a motivação interna da voluntas legislatoris, e tampouco de perquirir a finalidade da lei, que é função privativa do Parlamento.

Na verdade, a evolução dos tempos tem nos permitido constatar, com grande frequência, o uso abusivo do “poder de fazer leis ad hocs”, revelando, muitas vezes, contradições, ambiguidades, incongruências e falta de razoabilidade, que contaminam esses diplomas legais com o vício de inconstitucionalidade.

Segundo o magistério do Ministro Gilmar Mendes, “a doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade ou da (Verhältnismässigkeitsprinzip; Ubermassverbot), proibição de excesso que se revela mediante contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.

No Direito Constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição de excesso (Ubermassverbot) qualidade de norma constitucional não escrita.[2]

Portanto, a Lei que atribui multa desproporcional e com natureza confiscatória, sem observar critérios de individualização da pena é inconstitucional, ilegal e deve ser reduzida, como aconteceu em um caso que a multa ambiental foi R$ 170 mil é reduzida para R$ 5.010,00.

Redução do valor da multa ambiental é possível

As sanções administrativas carregam fins pedagógicos e não arrecadatórios, neste sentido, a condenação imposta deve estar em harmonia e coerência para que a penalidade não venha punir demasiadamente o infrator, mais do que as peculiaridades do caso recomendam.

Em muitos casos, a partir de simples análise do ocorrido, é possível se constatar a desproporcionalidade entre o dano causado e a multa fixada pelo órgão, sendo, portanto, necessário ao Poder Judiciário intervir na decisão administrativa para resguardar a legalidade e zelar pelo respeito aos postulados da proporcionalidade e razoabilidade.

Em um caso que aplicada multa ambiental desproporcional, o Tribunal reduziu o valor da multa aplicada pelo órgão ambiental de R$ 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil), para R$ 33.686,00 (trinta e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais).

Nos termos da legislação ambiental, a gradação da pena de multa deve ser motivada em critérios objetivos, baseados em fatos concretos, levando-se em consideração a gravidade da infração, a extensão do dano causado e a condição econômica do fornecedor

Muitas vezes, embora fixada a multa dentro dos limites da lei, o montante aplicado é excessivo, não razoável e profundamente desproporcional entre a omissão e a penalidade daí decorrente.

A dosimetria do valor da multa imposta pela administração, em razão de infrações à legislação deve observar, dentre os outros critérios, os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do não-confisco, de modo a consubstanciar valor tal que atenda à dupla função da multa ambiental.

Isto é, deve-se ter em mente que o objetivo da multa ambiental é dar resposta condizente pelo ilícito praticado (repressiva) e de desestimular o infrator de novamente nela incidir (preventiva), não podendo ser excessiva, confiscatória ou desproporcional com a conduta.

Portanto, a penalidade, deve sempre ser arbitrada no valor suficiente à punição do infrator com o objetivo de servir de desestímulo a novas práticas infracionais, respeitando, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem olvido da capacidade financeira.

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4.e.d. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 696.

[2] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratadoderivada do Estado de Direito de Direito Penal: Parte Geral, 17. e.d. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 69-73.

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