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Renovação da licença após o prazo afasta o crime ambiental

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

A conduta de explorar recursos minerais sem autorização ou licença dos órgãos competentes pode configurar o crime ambiental do art. 55 da Lei 9.605/98 que tem a seguinte redação legal:

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.

De início, nota-se que a materialidade do crime ambiental do artigo 55 da Lei 9.605/98 consiste na falta de autorização, permissão, concessão ou licença para pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais, ou seja, a ausência dos referidos documentos autoriza a persecução penal.

Contudo, nos casos em que o pedido de renovação da licença é protocolado mesmo após o seu vencimento e, desde que devidamente concedida a renovação, não há se falar em crime ambiental, porque o empreendedor buscou regularizar a sua atividade.

Dito de outra forma, naqueles casos em que vencida a licença ambiental e a empresa protocola pedido de renovação após a expiração do prazo da licença — ao invés de ser requerida com antecedência máxima de 120 dias do seu vencimento e assim ser prorrogada automaticamente até a manifestação definitiva do órgão ambiental — não há crime ambiental do artigo 55 da Lei 9.605/98.

Necessidade de licença ambiental para extração mineral

As licenças servem ao controle ambiental e condicionam a autorização ao cumprimento de determinadas condições necessárias para a manutenção do meio ambiente.

Como se sabe, a promoção da outorga dos títulos minerários relativos à exploração e ao aproveitamento dos recursos minerais, bem como a expedição de todos os demais atos referentes à execução da legislação minerária (art. 1º da Lei 8.876), cabiam, até dezembro de 2017, ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, autarquia criada pela Lei 8.876/1994, regulamentada pelo Decreto 1.324/1994.

A referida autarquia foi extinta pela Lei 13.575, de 15 de dezembro de 2017, mesmo diploma legal que criou a Agência Nacional de Mineração – ANM, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

Existem distintos graus de autorização estatal envolvendo a atividade de mineração, e especificamente quanto à lavra, entende-se o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o seu beneficiamento.

Renovação da licença para mineração deve ser requerida com 120 dias de antecedência

Como vimos, a licença ambiental é um requisito obrigatório para o exercício de atividades de mineração, uma vez que serve como instrumento de controle preventivo, visando assegurar que a exploração ocorra dentro de certos parâmetros.

Contudo, é comum que ocorra a expiração da licença antes que a renovação seja requerida, as vezes por descuido do empreendedor, que tinha licença válida mas não se atentou quanto ao prazo de 120 dias para requerer a renovação, data essa conta retroativamente da expiração da licença válida.

Isso porque, a Resolução CONAMA 237/97 determina que o pedido de renovação deva ser realizado com antecedência mínima de 120 dias antes do vencimento da licença. Porém, na prática, muitos empreendedores esquecem-se desse prazo e pedem sua renovação após ultrapassado.

Desse modo, entendemos que nos casos em que a licença expira e o pedido de renovação é protocolado posteriormente, mas a atividade permanece em conformidade com as condições anteriormente estabelecidas, então está-se diante de mera irregularidade administrativa, que não justificaria a aplicação de sanções penais.

E se a licença ambiental expirou, a lavra passa a ser crime ambiental?

Ao nosso ver não. Isso porque, em casos nos quais a empresa sempre esteve regular, isto é, operando com licença para a lavra e que, somente por questões meramente burocráticas — no caso uma Resolução do CONAMA que determina prazos para renovação de licença — não obteve a renovação antecipada da licença.

Desse modo, se a licença expirou e em seguida a empresa requereu a sua renovação, tendo obtido a concessão ainda que em data posterior à expiração da anterior, necessário considerar que a empresa buscou de forma diligente regularizar sua situação, hipótese que afasta o crime ambiental do artigo 55 da Lei 9.605/98.

Nessa linha de raciocínio, se a empresa já obtivera a licença – sinal de que era apta a operar com extração mineral, tanto que lhe foi renovada a licença -, então não há motivos para puni-la, nem ao seu representante legal, ainda mais quando não ocorreu nenhum dano ao meio ambiente.

Contudo, alerta-se que não há guarida em nosso ordenamento jurídico para a tese de atipicidade da conduta sob o fundamento de que a regularização para a extração mineral ocorreu antes do oferecimento da denúncia.

    O que diz a Jurisprudência

    A jurisprudência mais antiga era boa em admitir que não deve ser punido com uma sanção penal aquele que procurou de forma diligente legalizar sua atividade mineradora, mesmo que obtida após a ocorrência dos fatos por questões meramente burocráticas, veja-se:

    PENAL AMBIENTAL. EXTRAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS MINERAIS (AREIA). ART. 55, DA LEI 9.605/09. ART. 2º, DA LEI 8.176/91. LICENÇAS. RENOVAÇÃO E CONCESSÃO CARACTERIZADAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. Demonstrado, nos autos, que os réus diligentemente providenciaram a renovação da licença para extração de recursos minerais, é de ser reconhecida a falta de justa causa para se iniciar a ação penal, na forma do artigo 395, III, do CPP. (TRF4, RSE 0010544-17.2009.4.04.7200, SÉTIMA TURMA, Relator TADAAQUI HIROSE, D.E. 11/11/2010)

    CRIME AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. EXTRAÇÃO DE AREIA. ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98. LICENÇA. RENOVAÇÃO. RIGORISMO BUROCRÁTICO. – Compete à justiça federal processar e julgar causa envolvendo extração de areia, visto que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da união. – Constitui crime ambiental, a extração irregular de substância mineral, ou seja, sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida. – Não deve ser punido com uma sanção penal, aquele que procurou de forma diligente legalizar sua atividade mineradora, mesmo que obtida após a ocorrência dos fatos por questões meramente burocráticas. (TRF4, ACR 1999.71.12.002939-0, OITAVA TURMA, Relator para Acórdão LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, DJ 24/09/2003)

    E me referi que a jurisprudência mais antiga era boa porque, diante da politização do Direito Ambiental muitos magistrados, inclusive do STJ, passaram a entender que a falta de autorização para a realização da atividade de extração mineral não constitui mera irregularidade, mas ilicitude, passível de sanções administrativas e penais.

    Defesa para o crime ambiental do art. 55

    Apesar da mudança no entendimento em alguns casos, defendemos ser possível alegar que nos casos em que o empreendedor busca de forma diligente a regularização da sua atividade, não há razão para a aplicação de sanção penal.

    Afinal, o Direito Penal deve ser utilizado como ultima ratio, apenas nos casos em que as sanções administrativas e civis não sejam suficientes para a finalidade pedagócica. Assim, se a empresa já possuía uma licença anterior e buscou sua renovação ainda que fora do prazo, não se justifica a atuação penal para punir uma conduta que não gerou dano ambiental efetivo.

    Embora mais difícil, também pode ser defendido que a aplicação da sanção penal deve estar vinculada à existência de um dano ou potencial de dano ao bem jurídico protegido.

    Significa dizer que se a atividade minerária foi realizada de acordo com as condicionantes ambientais da licença anterior e a renovação foi obtida, ainda que tardiamente, não há lesão ao meio ambiente que justifique a responsabilização penal.

    E todos esses argumentos devem ser somados principalmente à demonstração de que o empreendedor agiu de boa-fé ao protocolar o pedido de renovação e buscou regularizar sua situação, não havendo qualquer motivo para exercesse a atividade minerária de forma ilegal.

     

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      49222/SC
      Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.
      Tipo de material: Penal

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