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Defesa no crime ambiental do artigo 68 da Lei de 9.605/98

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Advogado Ambiental
49222/SC
Fundador do escritório Farenzena & Franco. Advogado especialista em Direito Ambiental pela UFPR, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal e idealizador do AdvLabs.

O crime ambiental do art. 68 da Lei de Crimes Ambientais depende da existência de um dever legal que imponha o cumprimento de uma obrigação de relevante interesse ambiental e da existência de uma obrigação de relevante interesse ambiental descumprida.

O nosso Escritório tem atuado em diversos processos por crime ambiental que imputam ao acusado o tipo penal descrito no art. 68 da Lei 9.605/98, verbis:

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:

Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.

Mas a problemática está em definir o que é obrigação de relevante interesse ambiental, que, caso a defesa seja bem conduzida, restará na absolvição do acusado.

O que diz a doutrina

Sobre a norma legal inserta no art. 68 da Lei de Crimes Ambientais, observem-se as lições de Luís Paulo Sirvinskas[1]:

Entende-se por obrigação de relevante interesse ambiental todo assunto que direta ou indiretamente afetem a coletividade em seu meio ambiente. A lei não definiu o que seja essa obrigação. Somente a jurisprudência irá definir e delimitar o conceito (…).

Efetivamente, o juiz precisa verificar qual o sentido exato da norma e se esta se amolda ao fato concreto. Para fim de determinar se há, em tese, possibilidade de subsunção dos eventos narrados em eventual denúncia à norma, é necessário interpretá-la adequadamente, delimitando com clareza o alcance dos elementos integrantes do tipo penal.

Em definitivo, tratando-se o art. 68 da Lei de Crimes Ambientais de norma penal em branco, inviável interpretar-se ampliativamente o complemento exigido pelo tipo a ser perquirido em outras esferas do Direito, sob pena de ofensa ao princípio da taxatividade

Ora, a utilização da analogia na integração de regramentos extrapenais com a norma penal incriminadora somente é possível mediante interpretação restritiva. A propósito, na visão de Miguel Reale Júnior[2]:

A taxatividade impõe uma leitura precisa e clara da norma, definindo para além de toda a dúvida, os limites e fronteiras do punível. O princípio da tipicidade em sua angulação político-garantidora obriga que o trabalho hermenêutico não amplie o significado do proibido para atender aos fins que o acusador ou o julgador pretendam dar à incriminação e, em consequência, é absolutamente vedada a analogia nos domínios do direito penal, senão in bonam partem].

Crime ambiental voltado a funcionários públicos

Na dúvida da aplicação da norma, é mister consignar que, por uma interpretação teleológica e topográfica, pode-se igualmente chegar à conclusão de sua inaplicabilidade: o dispositivo se encontra localizado na Seção V da Lei de Crimes Ambientais, denominada “Dos Crimes contra a Administração Ambiental”, em que se prevê crimes próprios de funcionários públicos ou delitos relacionados a atos administrativos.

Percebe-se, nesse contexto, que é razoável cogitar que a mens legis foi precisa ao delimitar “dever legal”, para nele incluir somente os agentes públicos cujo dever de observância é efetivamente de natureza legal, ou os particulares que, contratando com o Poder Público, equiparam-se a tais agentes.

Essa interpretação parece mais consentânea do que a criminalização generalizada dos particulares por descumprimento de obrigações que constam em instruções normativas.

A doutrina corrobora tal entendimento. Luis Paulo Sirvinskas[3] é taxativo em afirmar que o sujeito ativo do delito em tela é “somente a pessoa física que tiver o dever legal ou contratual, inclusive o funcionário público (art. 327 do CP)”.

Nos estudos organizados em homenagem ao Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, levados a efeito pelo MM. Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior e pelo Exmo. Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, foi igualmente taxativo Ricardo Rachid De Oliveira[4]:

O crime é próprio, eis que somente aquele que estiver na peculiar condição de figurar no pólo passivo de uma relação obrigacional (contratual ou legal), cujo conteúdo seja de relevante interesse ambiental.

Quanto a tal “peculiar condição” do sujeito ativo, Edis Milaré e Paulo José da Costa Júnior[5] explicam que o agente:

Será qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha o dever legal ou contratual de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental. São os funcionários de órgãos públicos, como do IBAMA e da polícia ambiental, que têm o dever legal.

No sentido aqui sustentado, de que a mens legis foi precisa ao delimitar “dever legal”, para nele incluir somente os agentes públicos cujo dever de observância é efetivamente de natureza legal, leciona Luis Régis Prado[6]:

Faz-se também imprescindível que o sujeito ativo possua dever legal – imposto pela lei, tal como funcionários de órgãos públicos como o IBAMA, por exemplo – ou contratual – advindo de contrato celebrado com o Poder Público ou com o particular – de cumprir a obrigação que lhe foi atribuída.

Com relação aos particulares, que não detêm essa peculiar condição do agente público, os doutrinadores têm assentido não somente que deve haver um contrato entre o particular e o Poder Público, mas também que desse contrato decorra expressamente ou como consequência lógica a obrigação de relevante interesse ambiental. Assim, Marcos Adede y Castro[7] referiu:

Como já dissemos ao iniciar os comentários à Seção V – Dos Crimes contra a Administração Ambiental, o delito do art. 68 tanto pode ser cometido por funcionário público como por particular que tenha contratado com o Poder Público a realização de determinada obra, construção ou serviço e que as medidas de proteção ambiental sejam consequência natural do negócio ou resultado de acordo escrito ou verbal.

Por fim, o homenageado Desembargador Vladimir Passos de Freitas, junto com Gilberto Passos de Freitas[8], fornece exemplo elucidativo acerca da forma de participação do particular no delito:

Conduta: o crime é omissivo (deixar). Pune-se o não fazer. Mas exige-se o dever legal ou contratual. O primeiro resulta da lei. É o caso, por exemplo, do guarda ambiental do Município que assiste, inerte, ao abate de árvores localizadas na via pública por proprietário de imóvel, sem a autorização necessária.

O segundo tem por base contrato firmado entre o Poder Público e o particular. A hipótese é mais rara. Vejamos um exemplo. (…).

Imagine-se que seja autorizado o funcionamento de um restaurante no interior de uma AEIT [área especial de interesse turístico] e que no contrato se comprometa o arrendatário a zelar pela preservação ambiental.

Pois bem, se ele vier a tomar conhecimento de ação predatória e, por qualquer motivo, omitir-se em comunicar ao órgão ambiental, estará incorrendo nas penas do artigo mencionado.

Conclusão

Como visto, percebe-se que o Ministério Público só denuncia agentes públicos por infração a dever legal e particulares por infração a dever contratual, não sendo comum que essa imputação se dê de forma cruzada, em que se imputa a um particular o descumprimento de um dever legal.

Entretanto, percebe-se também que a discussão atinente ao mencionado dispositivo cinge-se ao caráter da “obrigação de relevante interesse ambiental” como cláusula de abertura normativa.

Destarte, vislumbra-se que têm por costume examinar o delito previsto no art. 68 da Lei de Crimes Ambientais em face de agente públicos cuja obrigação para com o meio ambiente é efetivamente de natureza estritamente funcional-legal.

Por corolário, em atenção aos argumentos hermenêuticos lançados, à doutrina invocada e à jurisprudência da Corte, impõe-se interpretar estritamente a primeira parte do art. 68 da Lei 9.605/98 (“deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo…”).

Ou seja, a omissão relativa às condutas apontadas como violadoras das obrigações de relevante interesse ambiental, ainda que possam ser definidas em ato normativo complementar à norma incriminadora (tipo penal em branco), devem ser imputada a quem ostente o dever legal ou contratual de prevenir ou reprimir tais agressões ao bem juridicamente tutelado, contexto fático-jurídico não verificado na espécie, no que tange aos recorridos.

Isso porque, a norma prevista no art. 68 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) é composta de duas partes: (1) a existência de um dever legal que imponha o cumprimento de uma obrigação de relevante interesse ambiental; e (2) a existência de uma obrigação de relevante interesse ambiental descumprida.

Nos termos do art. 68 da Lei de Crimes Ambientais, é atípica a conduta do particular que deixa de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental cujo dever de observância está inserto em instrução normativa.

Assim, para fins penais, é vedado ao intérprete ampliar o sentido do texto legal de modo a prejudicar o acusado (interpretação extensiva in malam partem).

É razoável cogitar que a mens legis contida no art. 68 da Lei 9.605/98 delimitou ‘dever legal’, para nele incluir somente os agentes públicos cujo dever de observância é efetivamente de natureza legal, ou os particulares que, contratando com o Poder Público, equiparam-se a tais agentes.

Referências Bibliográficas:

[1] in Tutela Penal do Meio Ambiente. 3. ed. São Paulo: Saraiva: 2004. P. 228.

[2] Instituições de Direito Penal, Vol. I, 2ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 2004, p. 38.

[3] Tutela Penal do Meio Ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12-2-1998. 3.ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 227.

[4] RACHID DE OLIVEIRA, Ricardo. Crimes contra a Administração Ambiental, in: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo; QUADROS DA SILVA, Fernando (orgs.). Crimes ambientais: estudos em homenagem ao desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 472.

[5] Direito Penal Ambiental: comentários à Lei 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002, pp. 194-195.

[6] Direito Penal do Ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança, com a análise da Lei 11.105/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 539.

[7] Crimes ambientais: comentários à Lei n. 9.605/98. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004, pp. 267-270.

[8] Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei 9.605/98. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 216.

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