Artigo

Prescrição de Multas Ambientais da SEMA/MT

Avatar photo
Escrito por
Advogado especialista em Direito Ambiental, com ênfase no direito sancionatório envolvendo o agronegócio.

O instituto da prescrição tem por escopo proporcionar segurança às relações jurídicas, fulminando a pretensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor.

Em se tratando de processo administrativo instaurado para apurar a prática de infração ambiental, a prescrição se caracteriza quando a Administração Pública deixa de impulsionar o andamento do feito.

E essa prescrição pode ser tanto a intercorrente trienal, como a da pretensão punitiva propriamente dita, que, em regra, é quinquenal. Ambas incidem durante o curso do processo administrativo ambiental.

Para tanto, necessária a caracterização dos seus pressupostos previstos na doutrina[1], quais sejam:

  • a inércia no exercício da pretensão de direito material pelo legitimado;
  • um determinado fluxo de tempo; a determinação de um marco inicial de contagem do fluxo de tempo;
  • a ausência de algum obstáculo que iniba o exercício da pretensão de direito material.

A prescrição ocorre no âmbito do processo e exige a ocorrência dos mesmos pressupostos, cujos efeitos, contudo, tem reflexo também na extinção da relação jurídico processual.

Como funciona a prescrição intercorrente no Mato Grosso

A prescrição intercorrente de multa ambiental no Estado do Mato Grosso, especificamente aquelas aplicadas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MT, era regulada pelo Decreto Estadual 1.986/2013, revogado pelo Decreto Estadual 1436 de 18 de julho de 2022.

Além de prever a incidência da prescrição, o Decreto Estadual 1436/22 dispõe sobre o processo administrativo estadual de apuração das infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, regulamenta o Programa de Conversão de Multas Ambientais, a defesa, o sistema recursal e a cobrança de multa ambiental.

Os prazos prescricionais para apuração de infração ambiental pela SEMA/MT estão previstos no artigo 20 do Decreto Estadual 1436/22:

Art. 20. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação da administração para apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contados a partir da data da prática do ato ou no caso de infração permanente ou continuada do dia em que esta tiver cessada.

§1º A ação de apuração de infração ambiental pela administração pública estadual se inicia com a lavratura do Auto de Infração.

§2º Ocorre a prescrição intercorrente no procedimento de apuração do Auto de Infração paralisado por mais de 3 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho.

§3º No caso de ocorrência da prescrição intercorrente mencionada no § 2º deste artigo, autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.

§4º Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição tratada no caput deste artigo reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

§5º A ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da administração pública estadual não elide a obrigação de reparação do dano ambiental.

Contudo, os prazos prescricionais elencados no artigo 20 do Decreto Estadual 1436/22 somente se aplicam para autos de infração ambiental lavrados a partir de 18 de julho de 2022, data a qual entrou em vigência.

Resumo da prescrição no âmbito da SEMA/MT

A leitura ao artigo 20 do Decreto Estadual 1436/22, praticamente idêntico aqueles que dispõe sobre a prescrição em ãmbito federal (Decreto Federal 6.514/08 e Lei Federal 9.873/99), leva à seguinte conclusão:

  • A Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MT tem o prazo de 5 anos para lavrar o auto de infração ambiental a partir do cometimento da infração ambiental, salvo de a infração também constituir crime ambiental;
  • Se a infração é permanente (a exemplo da infração de impedir a regeração de vegetação), o prazo prescricional somente começa a contar a partir da cessação da infração;
  • Após a instauração do processo administrativo ambiental, a SEMA/MT tem o prazo de 5 anos para apurar a infração e julgar o auto de infração ambiental, salvo de a infração também constituir crime ambiental;
  • Quando a infração ambiental consitutir crime ambiental, o prazo prescricional poderá variar de 3 a 12 anos por aplicação do artigo 109 do Código Penal;
  • Quando o processo administrativo ambiental ficar paralisado por 3 anos ou mais, pendente de julgamento ou despacho, incide a prescrição intercorrente trienal ou de 3 (três) anos.

Não é de mais repetir que o Decreto Estadual 1436/22 se aplica somente para autos de infração ambiental lavrados a partir de 18 de julho de 2022, e antes dessa data, aplica-se o revogado Decreto Estadual 1.986/2013.

O que diz a jurisprudência do Mato Grosso sobre prescrição

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Mato Grosso – TJMT, embora ainda encontre divergência de entendimento, é bastante clara sobre a aplicação dos decretos estaduais aos procedimentos administrativos da SEMA/MT:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CURSO – APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 1. 986//2013 – PRESCRIÇÃO NÃO CARACTERIZADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

A respeito da prescrição intercorrente, em matéria ambiental, aplica-se o Decreto Estadual n. 1.986/2013, que estabeleceu procedimentos próprios para a apuração e julgamento de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, desde que referentes a fatos ocorridos a partir da sua vigência, que coincide com a data da sua publicação (art. 48), ocorrida em 1º/11/2013, ou a fatos cuja apuração, em processo administrativo, ainda não se tenha concluído, quando da entrada em vigor da nova norma, tendo em vista a sua natureza eminentemente processual.

Em se tratando de processo administrativo em curso, é necessário que o período que enseja a declaração de prescrição intercorrente seja posterior à 1º de novembro de 2013. A prescrição intercorrente somente incide quando demonstrada a paralisação do feito por mais de 3 (três) anos, nos termos do art. 19 do Decreto Estadual n. 1.986/2013, o que não ficou demonstrado nos autos. Recurso conhecido e desprovido.

(TJ-MT 10112129420208110041 MT, Relator: AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, Data de Julgamento: 05/07/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 18/07/2022)

Conforme a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente da Lei Federal 9.873/1999 e do Decreto Federal 6.514/2008 não se aplica às ações administrativas punitivas impostas por Estados e Municípios.

Como alegar a prescrição em processos administrativos da SEMA/MT

Embora a Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MT lavre autos de infração ambiental e instaure o processo administrativo para apurar as infrações administrativas com base no Decreto Federal 6.514/08, a alegação de incidência da prescrição deve ser realizada com base no Decreto Estadual 1436/22.

Mas é necessário ter atenção com a data de lavratura do auto de infração ambiental, seja para alegar a prescrição intercorrente trienal seja para alegar a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita (quinquenal ou pelo prazo da lei penal).

Se o auto de infração ambiental foi lavrado a partir de 18 de julho de 2022, aplica-se o Decreto Estadual 1436/22 quanto à prescrição.

Contudo, se anterior a essa data, aplicam-se as disposições do revogado Decreto Estadual 1.986/2013, desde que a incidência da prescrição tenha ocorrido entre a data de sua vigência, qual seja, 01 de novembro de 2013, e a data de sua revogação, 18 de julho de 2022.

Outro ponto de atenção é quanto à inaplicabilidade dos prazos prescricionais previstos na Lei 9.873/1999, porque conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, essa norma não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal ( AgInt nos EDcl no REsp 1893478/PR).

Portanto, os ditames da Lei Federal 9.873/1999 e do Decreto Federal 6.514/2008 apenas se aplicam às infrações ambientais lançadas por órgãos federais vinculados à União, ou seja, não podem ser usados para alegar a prescrição no âmbito da SEMA/MT.

Mas enfim, qual norma sobre prescrição incide na SEMA/MT

Em linhas gerais, tratando-se de auto de infração ambiental lavrado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MT, independente da data, temos o seguinte:

  • Se o auto de infração ambiental foi lavrado A PARTIR de 18 de julho de 2022, aplica-se o Decreto Estadual 1436/22;
  • Se o auto de infração ambiental foi lavrado ENTRE 01 de novembro de 2013 e 18 de julho de 2022, aplica-se o revogado Decreto Estadual 1436/22;
  • Se o auto de infração ambiental foi lavrado ANTES de 01 de novembro de 2013, aplica-se o prazo prescrional previsto no Decreto 20.910/1932, mas somente quanto ao prazo prescricional para instauração da ação para apuração da prática danosa ao meio ambiente e não para duração do processo administrativo;
  • Independnete da data, quando à época da infração inexistia dispositivo legal regulamentando a prescrição intercorrente, esta é contada a partir da vigência da norma estadual que a instituiu.

Perceba que não se aplicam, quanto à prescrição, as regras do Decreto Estadual 1.986/2013, quando a infração ambiental ocorreu em data anterior à vigência de tal norma.

Desse modo, em razão da inexistência de norma prevendo prescrição no Estado do Mato Grosso até 01 de novembro de 2013, conclui-se que a Administração Pública tem o prazo de 05 (cinco) anos para apurar a prática da infração ambiental, a contar da data do ato, com base no Decreto 20.910/1932.

Em relação ao Decreto 20.910/1932, configurada a inércia da Administração Pública, incide a prescrição com fundamento no princípio da razoabilidade previsto na Constituição Federal, que deve ser observado no processo administrativo pelos entes federados.

    Conclusão

    O objetivo desse post foi esclarecer qual norma deve ser utilizada para alegar a incidência de prescrição intercorrente e da pretensão punitiva propriamente dita em processos administrativos ambientais instaurados pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MT.

    Isso porque, temos vistos muitos colegas alegando a prescrição tanto em processos administrativos como judiciais com base na Lei Federal 9.873/1999 e no Decreto Federal 6.514/2008, quando essas normas são inaplicáveis no âmbito do Estado do Mato Grosso.

    Sobre a prescrição da pretensão punitiva, intercorrente ou propriamente dita, conclui-se que está ligada à atuação do Estado com o objetivo de apurar eventual infração administrativa ambiental e aplicar a penalidade dela decorrente.

    Caso a Administração se mantenha inerte por determinado período de tempo fixado na norma, ficará impossibilitada de exercer seu poder-dever punitivo, devendo arquivar o processo com base na legislação aplicável no seu âmbito.

    Portanto, configurada a inércia da SEMA/MT durante o trâmite do processo administrativo ambiental, deve-se alegar a prescrição com fundamento na norma vigente à época da lavratura do auto de infração ambiental e, quando alterada, contada a partir da vigência da norma estadual que a instituiu.

    [1] Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, Parte Geral vol. 6, Bookseller, 1ª ed., 2000, p. 135.

    Baixe esse post em PDF

    Preencha seus dados e receba esse conteúdo de graça no seu e-mail.

      Após clicar em “enviar”, aguarde um instante até o arquivo ser gerado.
      Gostou deste conteúdo? Deixe uma avaliação!
      5/5 (4 votos)
      E compartilhe:
      Avatar photo
      Escrito por
      Advogado especialista em Direito Ambiental, com ênfase no direito sancionatório envolvendo o agronegócio.

      Deixe um comentário

      O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

      Preencha esse campo
      Preencha esse campo
      Digite um endereço de e-mail válido.
      Você precisa concordar com os termos para prosseguir

      Leia também

      Nossos artigos são publicados periodicamente com novidade e análises do mundo do Direito Ambiental.